Ricardo Novelino
No andar estressado da Zona Sul do Rio de Janeiro, a estrutura de concreto desenhada pelo arquiteto Oscar Niemeyer facilita a travessia de quem vive na Rocinha. Testemunhas da rotina frenética da metrópole, os arcos sinuosos viraram um belo cenário, nesta quarta-feira, 9 de outubro, para um desfile diferente, exuberante. Mais do que uma mera apresentação de roupas ou estilos, a passarela se encheu de glamour e deu passagem para o desfile de idosos, que frequentam as Casas de Convivência gerenciadas pela prefeitura.
Tendo a comunidade pacificada no ano passado, os modelos da Terceira Idade mostraram que é possível ser ativo e saudável depois dos 60. E que não é preciso ter vergonha de se mostrar. Para permitir que essas pessoas mantenham o ritmo da vida, as casas aceitam integrantes, sem limite de idade.
“Me libertei de verdade. Estou na casa há quatro anos e mudei de vida. Crochê, agora, só nas horas vagas”, declarou Jacira Melo, 79 anos, uma das mais velhas participantes do evento, cheia de orgulho.
Organizado pela Secretaria Municipal de Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida, o desfile sintetizou datas celebradas em outubro. O Dia Internacional do Idoso e o mês do combate ao câncer (outubro rosa). A gestão municipal também intensifica a campanha de incentivo ao envelhecimento com qualidade.
A escolha do local também carrega um importante símbolo: “Temos seis casas de convivência e uma delas fica na Rocinha, um lugar especial, que vem mudando muito depois da pacificação. Queríamos fazer uma homenagem a quem vive na comunidade”, afirmou Flávia Furtado, coordenadora das Casas de Convivência.
A movimentação começou bem cedo no local do desfile. Toldos foram montados para acomodar espectadores. Acompanhados de música eletrônica, as 28 mulheres e seis homens se arrumaram e passaram pela maquiagem. Animados, todos dançavam antes de começar a apresentação.
De forma democrática, a escolha dos participantes do desfile foi feita por meio de sorteio. A grande maioria dos 12 mil atendidos nas instituições municipais queria ser protagonista em um dia diferente, mas não seria possível acomodar tanta gente. Por isso, os vencedores tiveram direito de apresentar seus modelos, enquanto muitos colegas acompanhavam da plateia. Com emoção e barulho, diga-se de passagem.
A ideia de realizar um desfile de moda partiu da secretaria e teve acolhimento imediato do público atendido. Nas unidades, os idosos definem 30% das atividades e podem se integrar a 15 tipos de cursos e oficinas oferecidos, entre bordado, música e dança.
“A idade não é limite quando a alma é infinita”, filosofa a Secretária municipal de Qualidade de Vida, Cristiane Brasil, que abriu oficialmente o desfile.
Entusiasta das ações para tirar os idosos da ociosidade, Cristiane ressaltou que participar de um evento ao ar livre é uma grande conquista para muitos dos participantes. “É impossível não se emocionar com a evolução dessas pessoas nas casas de convivência. E por isso, temos orgulho do trabalho”, afirma.
Ela também salienta que eventos como o desfile de moda proporcionam a união de pessoas de várias regiões da cidade. E até mistura gente que jamais se encontraria se não fosse um serviço de atendimento como esse. Algumas casas, cita, são cada vez mais procuradas.
“Na Penha, por exemplo, foi registrado o fenômeno pós-UPP. Depois da pacificação e da implantação da Unidade na Vila Cruzeiro, mais de 600 mulheres passaram a nos procurar. Pessoas que não saíam de casa e agora estão podendo aproveitar a vida.”
Na Rocinha, a pacificação também deixou a marca nos integrantes do grupo da Terceira Idade. “Tomava três remédios por dia e depois que entrei para o grupo só tomo um e de vez em quando. A paz foi fundamental, pois as mulheres tinham receio de sair de casa. Agora, querem fazer as atividades”, declarou Maria Rodrigues da Silva, 68.
Quem acompanhou o desfile conferiu de perto o sentimento de orgulho dos participantes exaltado por Cristiane Brasil. Marlene Matos, 76; Leci Silva, 79; e Ivan Oliveira, 72, desceram de cabeça erguida as escadarias do Complexo Olímpico da Rocinha.
“Acho maravilhoso. É um exemplo de que não podemos ficar em casa e viver reclamando de dor”, disse Marlene. “Faço ginástica e artesanato e já me apresentei com dança de salão em clube. Mas exibição ao ar livre foi a primeira vez. Adorei”, acrescentou Leci. Ivan foi sintético: Não dá para ficar parado. O que tiver, tô aí.”
Enquanto os idosos se divertiam na passarela, quem passava apressado pela estrutura tentava parar para acompanhar o movimento inusitado. Olhos arregalados, gritos de incentivo e aplausos foram algumas reações do público.
Dulcineia Oliveira e Maria Martha, que trabalham na Rocinha, ficaram durante vários minutos encostadas em um, dos muros da passarela observando o que aconteci alguns metros abaixo. “Passo aqui todos os dias e nunca tinha parado. Achei muito bonito”, comentou Dulcineia. “É emocionante”, completou Martha.