Os números divulgados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) nesta segunda-feira, 11 de maio, confirmam a estabilidade do processo de pacificação. No último ano, as estatísticas mostram pequena redução nos homicídios dolosos e que a letalidade violenta se manteve no mesmo patamar. A presidente do ISP, Joana Monteiro, afirma que os dados revelam êxito do trabalho das Unidades de Polícia Pacificadora (leia entrevista abaixo).
Na comparação com 2007, ano que antecedeu a instalação de UPPs, a quantidade de homicídios dolosos nas comunidades pacificadas caiu 76%. Os crimes dessa natureza reduziram de 167 para 40 nas comunidades pacificadas (veja quadro). O principal objetivo da política de pacificação é diminuir a violência e, sobretudo, os crimes contra a vida.
Já a letalidade violenta - indicador que inclui homicídio doloso, latrocínio, homicídio decorrente de intervenção policial e lesão corporal seguida de morte - reduziu 81,6% no período entre 2007 e o ano passado. No primeiro ano analisado ocorreram 332 registros que se enquadram nesse indicador. Em 2014, foram 61 autos de resistência registrados.
Com a substituição das incursões policiais pela presença constante das forças de segurança nas comunidades pacificadas, os auto de resistência também registraram queda: -87,8% desde 2007. Esse indicador se refere aos homicídios de pessoas durante confronto com a polícia no Rio de Janeiro.
No primeiro ano verificado foram 164 pessoas mortas em trocas de tiros entre policiais e criminosos. Em 2014 a Polícia Civil registrou 20 casos que se enquadram como autos de resistência. Neste mesmo intervalo também houve queda de 48% nos roubos de rua e de 79,7% na apreensão de armas. Por outro lado, a apreensão de drogas subiu 173,6% e as ocorrências com flagrante cresceram 255%.
Entrevista:
Para a presidente do Instituto de Segurança Pública (ISP), Joana Monteiro, os dados mostram estabilidade na quantidade de crimes em áreas de UPP. Ela é estudiosa do impacto das políticas públicas voltadas a problemas sociais de áreas urbanas, como educação, violência e juventude em risco. Doutora em Economia e pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/IBRE), Joana Monteiro foi pesquisadora associada do Centro de Desenvolvimento Internacional da Universidade de Harvard.
Portal UPPRJ: Qual a leitura que a senhora faz desses dados?
Presidente do ISP Joana Monteiro: Os dados mostram estabilidade. Confirmam que a UPP é uma política exitosa na questão de redução de homicídios, sejam eles dolosos ou decorrentes de intervenção policial. As mortes em decorrência de confronto com a polícia tiveram queda vertiginosa. Se a gente usar 2008 como base, o número de 2014 é sete vezes menor. O numero de homicídios dolosos hoje é um terço do que foi registrado em 2008. Então são dados muito expressivos.
UPPRJ: Essa redução de homicídios e autos de resistência também se mantém na comparação de 2013 para 2014?
JM: Os números estão estáveis. Foram 42 homicídios dolosos em 2013. Em 2014 foram 40. Mas não dá para considerar isso uma queda. É estabilidade. As mortes em decorrência de intervenção policial passaram de 17 para 20 de um ano para o outro. Então é um cenário de estabilidade. Os números de 2014 são muito parecidos com os de 2013.
UPPRJ: Os parâmetros atuais são aceitáveis?
JM: Nós temos sempre que levar em conta que o razoável, no melhor dos mundos, é não haver homicídio algum, nem doloso nem decorrente de intervenção policial. Mas a gente calculou a taxa de homicídios por 100 mil habitantes nas áreas com UPP e hoje ela fica em 7,4. É bem abaixo dos parâmetros internacionais para considerar epidemia (a Organização Mundial de Saúde considera epidemia quando há mais de 10 homicídios para cada 100 mil habitantes).
UPPRJ: Esse indicador já foi maior?
JM: A gente já teve áreas de UPP com o dobro da taxa da cidade. Já tivemos cerca de 15 homicídios decorrentes de intervenção policial para cada 100 mil habitantes na cidade e esse indicador subia para 30 nas áreas de UPP. Hoje, os dois estão com taxa de 3,8. Você trouxe a comunidade para o nível do asfalto, falando de um modo coloquial. As pessoas tendem a ver cada caso de confronto, de tiroteio, de homicídio, como fracasso. Mas chegar ao nível zero eu diria que é praticamente impossível. Nós não temos nível zero em nenhum lugar da cidade. Mas nós baixamos muito. E a coisa mais importante na segurança pública é que as favelas não sejam territórios apartados da cidade.
UPPRJ: Os números mostram qual tendência em longo prazo?
JM: Os últimos três anos têm sido bem estáveis. Se eu fosse apontar uma tendência, seria de continuar nesta estabilidade. Não há nada nos dados agregados que apontem uma piora. Os dados mostram grandes quedas em 2009 e 2010, que são os anos da grande expansão da política de pacificação. Depois você tem uma estabilidade. De certa forma, a estabilização era algo a ser esperado. A política teve um efeito muito forte no início dela e marcou a forma diferente da polícia atuar nesses locais.
UPPRJ: Até que ponto os dados demonstram êxito da política de pacificação?
JM: Existe muita contestação se a UPP deu certo ou não. Ouço em diferentes locais, em diferentes segmentos sociais, pessoas dizendo que a UPP não deu certo. Mas não deu certo em que sentido? Porque como política de redução de mortes ela é muito eficaz. A UPP de fato não é uma política que mudou a realidade das favelas. Mas como política de segurança, para reduzir aquele cenário de guerra, de confrontação e morte que havia dentro das comunidades, ela é muito exitosa. Acho que a sociedade fluminense não tem muito claro o que seria voltar para o nível que estávamos antes.
UPPRJ: O que mudou em relação à atuação policial nas áreas com UPP?
JM: Após a ocupação, a atividade policial aumenta muito nessas áreas. Era esperado e de fato ocorreu o aumento total de registros nessas áreas. Crimes como ameaças e lesões corporais dolosas, que eram pouco notificados, começaram a ser registrados. Isso é natural. Em qualquer lugar do mundo que você fizer aumento de presença policial a tendência é de haver aumento de registros. Inclusive os relacionados ao tráfico. Por mais que a política não tenha como objetivo central combater o tráfico de drogas e acabar com ele, a presença policial aumentou as apreensões por envolvimento com o tráfico.
JM: Os números ajudam a entender o que está acontecendo, se eles estão se mantendo, melhorando ou piorando. Agora estamos trabalhando para obter um indicador de monitoramento que mostre na ponta, que consiga ser um alerta para comunidades que possam estar com problema. Para o aspecto operacional isso é importante. A gente disponibiliza esses dados e a polícia nos procura com frequência. A classificação das comunidades nas cores verde, amarela e vermelha foi um projeto desenvolvido pela polícia com a nossa colaboração. E essa classificação serve para nortear o trabalho policial. Também temos usado o georreferenciamento, dentro do possível, pois há algumas áreas de UPP que não têm ruas. O Instituto Pereira Passos (IPP) vem mapeando esses logradouros. Nós não temos como mapear um homicídio em uma rua que não existe oficialmente.