Celso Oliveira
Com raquetadas fortes e precisas, jovens da Rocinha parecem rebater as dificuldades da vida na quadra de saibro que em novembro completa um ano. Inaugurada por Guga, maior ídolo do esporte no Brasil, e pelo sérvio Djokovic, número 1 do ranking mundial, a Escolinha de Tênis da Rocinha está descobrindo potenciais talentos que sonham trilhar o mesmo caminho de Fabiano de Paula, morador da comunidade que neste mês foi aos EUA disputar a etapa de qualificação para o US Open.
Nascido e criado na Rocinha, Fabiano, 24 anos, deu os primeiros passos no esporte como muitos dos meninos e meninas que têm aulas de tênis na quadra administrada pela Secretaria de Estado de Esportes e Lazer no Parque Ecológico: aos 11 anos, foi boleiro (o gandula do tênis) no Hotel Intercontinental, também em São Conrado.
Na época, ainda sem uma Unidade de Polícia Pacificadora, era difícil transitar pela comunidade. “Como qualquer um que vive rodeado pela violência, também sofri, mas essas coisas fazem a gente crescer como pessoa”, observou o tenista. “Tenho certeza que a vida lá melhorou, as pessoas têm mais tranquilidade hoje em dia”, completou.
Com a pacificação, em setembro de 2012, a maior comunidade da América Latina pôde começar a desfrutar de vários projetos sociais e a Escolinha de Tênis foi um deles. Para Fabiano, os alunos não estão apenas aprendendo a praticar um esporte, mas têm a oportunidade de assimilar noções de cidadania.
“O papel dos professores é super importante não só pelo tênis, mas também para que as crianças cresçam como pessoas e sigam pelo lado do bem”, sentenciou o tenista, número 228 do ranking, que acabou sendo derrotado, na semana passada, para um atleta indiano, ficando de fora da qualificação para o Torneio Aberto dos Estados Unidos.
Fabiano não se abala. Ano que vem tem mais. Quando voltar para casa nesta semana, verá que o projeto está de vento em popa para formar tenistas como ele. Luiz Carlos do Nascimento Medeiros, 14 anos, começa a se destacar. Ele também foi boleiro no Intercontinental. O pai do adolescente foi morto na guerra do tráfico na comunidade há sete anos. Seu sonho? Nem precisava perguntar...
“Quero ter uma carreira no tênis. Se não conseguir ser tenista, posso virar professor. Eu gostava muito de futebol, mas agora sou apaixonado por tênis. Não quero saber de outra coisa e o projeto está me ajudando bastante”, diz o garoto.
Para o coordenador da escolinha, Marcos Veiga, a enorme procura pelas aulas prova que o tênis deixou de ser um esporte da elite e que a adesão da comunidade foi total. Atualmente, a quadra da Rocinha tem 158 alunos inscritos, entre seis e 13 anos. Há um ano, assim que foi aberta, começou com apenas 20.
“Ainda tem muito jovem tentando entrar, mas estamos limitando um pouco as inscrições por causa do número excessivo. Em algumas turmas, temos alunos que terminam a aula e não querem ir para casa. Eles estão se desenvolvendo bastante no esporte e até modificando o seu comportamento. No início isso aqui era uma bagunça, mas agora estão mais disciplinados”, contou o coordenador.
Pai da aluna Vitória, de 11 anos, Valdinar Marques, 39, professor de tênis fora da Rocinha, experimentou essa mudança em casa. “Ela está muito mais disciplinada. A pontualidade também virou uma preocupação. Nunca quer chegar atrasada nas aulas”, atestou ele. “Gosto muito de jogar, de competir e de encontrar os amigos na quadra. Quero ser uma jogadora como a Serena Willians”, planeja a jovem, referindo-se à tenista norte-americana favorita ao título deste ano do US Open.
A dedicação dos alunos é comprovada em quadra pelos quatro professores, dois deles da comunidade. “Os garotos daqui se empenham mais do que os do ‘asfalto’, da classe média. Lá o conforto, o videogame e outras coisas vão tirando a atenção do jovem, que deixa o esporte de lado”, explicou o professor David Lúcio da Silva, 33.
Os alunos não passam todo o tempo apenas batendo nas bolinhas verdes. Eles também são atendidos por uma psicóloga e fazem os mesmos testes de coordenação motora aplicados a tenistas nos EUA. Um dos requisitos para entrar no projeto é estar regularmente matriculado em uma escola.
Em setembro, a quadra vai sediar a segunda edição do Torneio de Tênis da Rocinha Luigi Baricelli. O ator é tenista profissional e um dos padrinhos da escolinha. Outros padrinhos devem marcar presença, como o ex-jogador do Flamengo Petkovic e o próprio Fabiano de Paula. Estrelas que estarão na plateia reverenciando os futuros campeões do tênis no Brasil e pelo mundo afora.